Alexandre está falando com seu analista. No consultório tem uma janela com vista para uma outra janela em que Alexandre vê tudo o que acontece. Volta e meia ele se dispersa com o que vê na janela. O analista está anotando tudo o que Alexandre faz e fala.
Alexandre: O elevador do meu prédio é bem pequeno. Daqueles antigos. Com porta de ferro. Sempre que eu entro no elevador do meu prédio eu conto os segundos pra sair. Eu sou um pouco caustrofóbico. Então. Eu estava no elevador, mas nesse dia eu estava bem. Eu estava bem mesmo. Muito bem. (tempo) Ih! Tem um garotinho ali em frente. Ali na janela.
O analista não olha e continua anotando.
Alexandre: Ele deve ter uns cinco anos. Ta todo arrumadinho. Deve tá indo pra alguma festa. Que gracinha, ta olhando pela janela. Será que ele tá olhando pra cá?
Silêncio
Alexandre: Bom, eu tava num bom dia, sabe? Sabe aqueles dias que você acorda bem por nada? Assim: hoje eu acordei bem. Sem nenhum motivo maior. Simplesmente bem. (tempo) Ele ta olhando pra cá, dá pra ver. Ele tá sorrindo. Que gracinha.SilêncioAlexandre: Bom, foi quando ele, o meu vizinho, me abordou. No elevador. Ih! Ele tá com janelinha, os dentes tem janelinha. Tão caindo os dentinhos... Que gracinha, ele deve ter o quê? Cinco, seis, anos? Então ele falou comigo, o meu vizinho. Dentro daquele elevador. Ah, esqueci de dizer que o elevador do meu prédio é lento. Bem lento. Antigo e lento. Sabe que eu nunca tinha reparado no meu vizinho? Eu moro no meu prédio há oito anos e nunca tinha reparado no meu vizinho. Já aconteceu isso com você? De nunca ter reparado em alguém durante oito anos? (tempo) Ó, ó! Tem alguém chegando, deve ser a mãe dele, ó! Ela foi pra janela também. Ih! Ela ta rindo junto com ele, que gracinha! Tem um monte de buraquinho na boquinha dele. Que gracinha.
Silêncio. Ele volta a falar bem rápido
Alexandre: Bom, então. Ele começou a falar no elevador, a gente mora no nono andar, ele começou a falar enquanto o elevador descia para o térreo, elevador antigo e lento, ele foi me contando uma história que ele comprou o apartamento dele com um tal dinheiro e que se eu quisesse chegar a ter o meu próprio apartamento, ele sabia que eu pagava aluguel, eu nunca havia reparado nele e ele sabia que eu pagava aluguel, enfim, era só eu pagar cem reais. Que com cem reais eu poderia ganhar novecentos reais se eu entrasse numa rede de vendas e ganhasse uma porcentagem, e então eu pensei que novecentos reais não seriam uma má idéia já que eu realmente tava precisando e eu só daria cem reais. Cem reais. (tempo) Ih! A mãe tá falando alguma coisa.
Sem querer o analista deixa cair seu livro de anotações no chão. Silêncio. Alexandre pega. Não consegue deixar de ler o que está escrito.
Alexandre lendo: Eu queria estar em Grumari...Silêncio.
O analista estende a mão para pedir o livro de volta. Alexandre tenta entender, mas nada fala.
Alexandre: Cem reais. Cem reais e eu poderia comprar o meu apartamento. Eu nunca tinha reparado no meu vizinho e no tempo de nove andares eu confiei nele. Cem reais. (tempo) Peraí. Peraí. Aconteceu alguma coisa. Ele não tá mais rindo. Acho que a mãe dele brigou com ele. Ele ta com uma carinha triste... A mãozinha tá pra fora da janela.
Analista de repente fala: Com licença eu preciso ir ao banheiro.
Alexandre: Claro, imagina.
O analista levanta, deixa o livro na cadeira. Alexandre tenta ler de soslaio, mas não consegue, chega mais perto, tenta ler algo.
Alexandre lendo: Lá em Grumari o sol brilha mais forte...
Ele sente dificuldades para ler e acaba pegando o livro. Lê baixo, pra si mesmo.
Alexandre lendo: Lá me Grumari tem muito espaço para correr e deixar o vento bater nas têmporas... Nas têmporas? Eu queria estar em Grumari. Que porra é essa?
Ele percebe que o analista está voltando, deixa o livro na cadeira e volta para o seu lugar.O analista volta a sentar. Silêncio.
Analista: E?
Alexandre: E...
Analista: E o que você estava dizendo?
Alexandre: Ah! Sim, é... Bom, é...Ah! Então, eu dei cem reais para o meu vizinho, cem reais e ele me disse que ia me dar o produto em uma semana que dentro dessa semana...(tempo) Ah, não! Ah, não! Ele tá chorando, o menino tá chorando! Cadê a mãe dele que não tá mais lá? O que aconteceu, gente? A boca dele ta se abrindo...A boca dele...
Alexandre imita o menino com a boca abrindo.
Alexandre: Cem reais, entende? (Imita o menino) Cem reais e o filho da puta me disse que eu ganhar novecentos reais, assim que ele me disse os produtos para eu vender, e chamar mais alguém para...(imita o menino) Mais alguém para comprar os meus produtos por cem reais e eu ia virar uma espécie de...(imita o menino) espécie de gerente... O filho da puta... (faz uma careta bem feia, imitando o menino) O filho da puta me fez dar cem reais.
O analista espirra.
Alexandre: Saúde. (tempo) Já aconteceu com você?
O analista não responde.
Alexandre: Já aconteceu com você? Você estar num dia bom, acordar bem contente, sabe? E um filho da puta perceber isso? Você já deu cem reais na mão de um desconhecido num dia bom dentro de um elevador? Você já fez isso?
Silêncio.
Alexandre: Então, eu que perguntei. Já fez isso?
Silêncio.
Alexandre: Ih, o menino não tá bem. Ele tá com uma cara esquisita, parece que vai vomitar...
Silêncio.
Alexandre: Depois desse dia, eu nunca mais consegui dormir, nunca mais. Passei a sonhar todos os dias com esse maldito vizinho. E o pior. Ele sumiu. Não mora mais no meu prédio. O filho da puta fugiu com os meus cem reais. Mas se eu pego. Ah! Se eu o pego. (tempo, ele vê o menino) O que é que está acontecendo com esse menino? A cara dele tá toda vermelha, parece que vai explodir.
O analista começa a fazer uns sons estranhos com a boca. Silêncio.
Analista: E?
Alexandre: “E” o que?
Analista: E o que mais?
Alexandre: “Mais” o quê?
Analista: Você estava dizendo que parece que vai explodir.
Alexandre: Não, eu não. O menino.
Analista: Sei...
Alexandre: “Sei...” o quê?
Analista: O seu menino.
Alexandre: O meu menino?
Analista: O seu menino interior.
Alexandre: Não era disso que eu estava falando.
Analista: Não?
Alexandre: Não desse menino, mas de outro menino.
Analista: Que menino?
Alexandre: Aquele menino.
Analista: Sei...Continue.
Alexandre: Continuar o quê?!
Analista: Continue, por favor.
Alexandre: Bom, depois daquele dia...
Analista: Um momento.
Ele sai. Alexandre pega o caderno de notas.
Alexandre lendo: Eu queria estar em Grumari, eu queria estar em Grumari, eu queria estar em Grumari...
Volta o analista com um boné e óculos escuros
Alexandre: O que é isso?
Analista: Continue.
Alexandre vê o menino na janela
Alexandre: Ah, meu deus! Ah, meus deus! O menino! Ele tá subindo numa cadeira, ele ta subindo no parapeito da janela. Ele ta me olhando. Olha pra ele, ele ta me olhando, eu sei que ele tá me olhando!
Analista: E?
Alexandre: “E” o quê?
Analista: E você?
Alexandre: Não, não sou eu. É ele! Ele vai... A gente tem que fazer alguma coisa, aquele menininho ta querendo... Ta querendo... Ah, meu Deus!
Analista: Querendo o quê?
Alexandre: Porra! Aquele menino... Ele ta olhando pra mim. Caralho, ele ta olhando para mim.
Analista: Isso não é bom?
Alexandre: Bom? O que é que é bom?
Analista: O menino que tem dentro de você olhar para você?
Alexandre: E o senhor? Já olhou pra você?
Analista: Você está tentando fazer uma transferência...
Alexandre: Não, eu estou falando dele! O menino da janela, olha ele! Eu vou lá.
Analista: Você está fugindo da situação.
Alexandre: Quem fugiu foi porra do meu vizinho! É isso que eu venho tentando te dizer!
O analista anota em silêncio.
Alexandre: Ta vendo? Ele está lá!
Analista: O seu vizinho?
Alexandre grita Alexandre: O menino, caralho!
Analista: O seu vizinho é um menino?
Alexandre: Ele vai pular, ele vai pular!
Analista: Não há menino nenhum!
Alexandre: Espera! Ah, meu Deus! Ele vai pular! Ah, meu Deus! Ele vai pular! Ah, meu Deus! Ele vai pular! Ele... Ele... Sumiu.
Analista: Não há menino nenhum.
Alexandre: Aquele menino. Ele estava lá. Eu vi. Olhando para mim. Eu vi!
Analista. Não há menino nenhum.
Alexandre: Mas eu vi...
Analista: E o vizinho?
Alexandre: O vizinho? Ele fugiu, o maldito...
Analista: Um momento.
Ele sai mais uma vez. Alexandre senta no lugar dele e começa a ler
Alexandre: Em Grumari, não tem sujeira, em Grumari não tem esgoto...
Analista volta vestido de roupa de praia, vê Alexandre sentado em sua cadeira e senta na cadeira de Alexandre.
Analista: Sim eu sei. Sou um babaca egoísta. É assim que todos me vêem, mas o que eu posso fazer se... Grumari é lindo! Grumari é lindo! Tem muito espaço e muito verde, muita mata. È lindo...(Ele olha para a janela) Ih! Tem um velho na janela!
Alexandre não fala nada.
Analista: Faz uns cinco anos que eu não vou à praia. Cinco anos. Você sabe o que é isso? Ele tá comendo alguma coisa, deve ser banana...
Silêncio.
Analista: Ele está olhando pra cá. Lá em Grumari tem muito espaço. O velho não tem mais alguns dentes. Acho que ele tá meio doente, coitado.
Alexandre não fala nada.
Analista: Ele está olhando pra cá, acho que ele quer dizer alguma coisa.
Alexandre não fala nada.
Analista: O que será que ele tá dizendo? Lá teme espaço. E cores, muitas cores. O que será que ele tá dizendo? Verde, azul, branco...Eu tenho sonhado com isso. È como o meu vizinho me dizendo... O que esse velho ta tentando me dizer?
De repente toca um despertador. Os dois se olham.
Alexandre e o analista levantam e trocam de lugar. O despertador continua tocando.
Analista: O seu tempo acabou. A gente continua na próxima sessão. Tá na hora.
Alexandre fecha os olhos. O despertador continua tocando. O analista vai chamá-lo.
Analista vai colocando de volta as roupas de trabalho: Você não ouviu? Tá na hora, Alexandre, tá na hora. Tá na hora Alexandre, tá na hora. Tá na hora Alexandre, tá na hora.
Alexandre acorda. Meio perdido.
Alexandre: O quê?
Colega de trabalho: Seu tempo de descanso acabou. Tá na hora, a reunião já vai começar. Ah, sua mulher ligou dizendo que seu filho caiu na escola e você não tem dado a menoir atenção à ele, e pediu pra você não esquecer de levar seu avô no médico que ele piorou. Sua consulta no analista foi marcada para as 18 horas. Ah, e seu vizinho ligou perguntando se você já depositou os cem reais na conta dele?
Alexandre levanta atordoado e vai indo embora.
Colega de trabalho: Aonde você vai?
Alexandre: Grumari. Desmarca tudo. Eu vou pra Grumari.
FIM
segunda-feira, 17 de novembro de 2008
sábado, 15 de novembro de 2008
O Mundo
Se o mundo fosse uma grande bola de neve derreteria em minhas mãos em um segundo. Não pelo calor das palmas, mas pela pequeníssima grandeza da esfera. Desde que o mundo gira, o tempo opta. E o tempo topa com o topo do mundo girante. Como se ainda bastasse passar.
Essa ardência me cabe e me emana. Me rasga a pele. Me arde insana. Proíbo-te de proibir-me. Entorpece-me o encanto.
Leito manso em regaço híbrido. Marejar de pensamentos. São é o sentir infame dos muitos a inflamar.
Tempos de remotos vãos. Devaneios.
Vão sem vela os barcos a motor. Vão inerte entre o braço e o tambor.
Bate coração que o tempo não espera a volta ao mundo! Não a volta inteira. O mundo a terçar no tempo que intervém no mundo a rodopiar. Devaneia de mansinho e mudo que o tempo escuro há de ocultar o mundo do obscuro mundo a devanear. Peripécias de prosador.
Invente um tanto que aumente um ponto, sem negligência. Inteligência é para guardar. O tempo interage vil. Além do fogo queimante, não há o que esperar. O giro contínuo e tênue tem quatro extremos em cada mil. Vagante sereno e veemente, o quanto aumente tentar amar. Se queima o fátuo se arma em ato o devanear. Assim acaba o espetáculo.
E o mundo que se exploda!
Renata Gabriel
14/11/2008
Essa ardência me cabe e me emana. Me rasga a pele. Me arde insana. Proíbo-te de proibir-me. Entorpece-me o encanto.
Leito manso em regaço híbrido. Marejar de pensamentos. São é o sentir infame dos muitos a inflamar.
Tempos de remotos vãos. Devaneios.
Vão sem vela os barcos a motor. Vão inerte entre o braço e o tambor.
Bate coração que o tempo não espera a volta ao mundo! Não a volta inteira. O mundo a terçar no tempo que intervém no mundo a rodopiar. Devaneia de mansinho e mudo que o tempo escuro há de ocultar o mundo do obscuro mundo a devanear. Peripécias de prosador.
Invente um tanto que aumente um ponto, sem negligência. Inteligência é para guardar. O tempo interage vil. Além do fogo queimante, não há o que esperar. O giro contínuo e tênue tem quatro extremos em cada mil. Vagante sereno e veemente, o quanto aumente tentar amar. Se queima o fátuo se arma em ato o devanear. Assim acaba o espetáculo.
E o mundo que se exploda!
Renata Gabriel
14/11/2008
terça-feira, 4 de novembro de 2008
Assinar:
Postagens (Atom)